terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Que Homem *

Contra todos os fatores existentes, Romualdo, um homem infeliz, estava sorrindo. Um sorriso bobo na cara, um olhar distante. Estava dirigindo um Fusca azul - sim, azul calcinha -, em uma estrada de terra, esburacada. Eram sete horas da manhã e estavam indo visitar parentes no interior. Ao lado, sua mulher, Linda, que de linda só tinha o nome. Tinha um mau humor pemanente e uma voz aguda e irritante. Como tinha feito escova no dia anterior, ela não abria a janela para não desarrumar o cabelo com o vento. Nem a sua e nem a do Romualdo. Atrás da mulher, o filho de 7 anos comendo um pacote de biscoito de polvilho maior que ele. E, atrás de Romualdo, a sogra com uma mala no colo que não coube junto com as outras no porta-malas. A cada solavanco, a mulher levava as mãos ao cabelo como que segurando para não desarrumá-lo, ia farelo de biscoito pra todo lado e a sogra remungava pelo peso da mala que espremia seus joelhos. E o Romualdo lá, só sorrindo.

Nisso, passa uma Belina por eles. E a sogra:
- Tá vendo, Romualdo, você deveria ter comprado um carro desses. Bem mais rápido que este seu aqui. E, olha o porta-malas! Eu não precisaria carregar mala no colo!

Romualdo pensou em responder, mas só continuou a sorrir. Em sua cabeça só vinha a lembrança da doce voz dizendo "que homem!" em seu ouvido. Na noite anterior, Romualdo tinha saido com os amigos para o bar. Na volta, já bêbado e sozinho, resolvera parar numa esquina qualquer onde encontrou com a Marisa. E, por apenas três mil cruzeiros, teve seu maior momento como homem na vida, quando Marisa disse ao pé do ouvido "que homem!". Da farra, só ficou a frase que, pra ele, um fracassado em tudo, soava como a redenção.

Enquanto seguiam viagem, Romualdo vê surgir por debaixo do seu banco um sapato vermelho de mulher.
- Nossa! Ela esqueceu o sapato aqui! - sussurrou assustado, já perdendo o sorriso bobo.
- O que foi que você disse, Romualdo? - perguntou a mulher.
- Nada... Nada não, querida... - desconversou.
- Tá é louco! - atacou a sogra - deu de falar sozinho agora.

Romualdo primeiro pensou em como devolveria o sapato à Marisa. Seria um bom pretexto para vê-la novamente. Depois, movido pelo bom senso e pelo senso de sobrevivência, decidiu que tinha que se livrar daquilo logo! Como explicaria um sapato de mulher dentro do carro. E vermelho! Deu uma nova olhada no sapato e notou que suas meias não estavam combinando com a calça. Linda sempre implicava com ele por causa das meias. Ela era conhecida na família como a que sabia combinar meias e ela não iria querer fazer feio junto aos parentes. E era questão de tempo até que ela se lembrasse das meias e virasse para verificar, o que a deixaria de cara com o sapato vermelho. Resolver abrir a janela. Tinha que abrir a janela para jogar o sapato fora.
- Que é isso, Romualdo? - gritou a mulher - E a minha escova? Sabe quanto custou, Romualdo?
- Essa janela é a minha e eu estou com calor! - retrucou firme, coisa que nunca fizera antes - Se quiser, deixe a sua fechada - arriscou.
- Tá é louco! - resmungou a sogra - deu de ficar com calor às 7 da manhã agora.

Passando sobre uma ponte estreita, Romualdo viu a oportunidade que esperva.
- Olha - apontou para o outro lado -, não é ali o sítio dos seus parentes?

Enquanto todos olhavam, rapidamente Romualdo pegou o sapato vermelho e o jogou fora.
- E essas meias, Romualdo? - questionou a mulher mirando seus pés - E estas meias? Você não tem jeito mesmo! O que os parentes vão pensar de um homem que não sabe nem escolher as próprias meias!
- Dá pra saber muito sobre uma pessoa só olhando para seus pés - sentenciou a sogra.
- É isso que você quer, Romualdo? Que nossos parentes saibam quem você é? Você não é nada, Romualdo. Tem que trocar estas meias!
- Não, é que...
- É que nada, Romualdo - interrompeu a mulher - você vai trocar essas meias antes que alguém perceba.

Por acaso, as meias que combinavam com sua calça estava na mala no colo da sogra. A mulher pegou as meias e entregou ao marido:
- Coloca no bolso! Quando chegar, você diz que precisa ir ao banheiro e vai lá trocar estas meias, entendeu, Romualdo?
- Claro, querida...

Assim que chegaram, ao sair do carro e antes de cumprimentar qualquer um, a mulher já informou.
- O Romualdo precisa ir ao banheiro, não é Romualdo!
- Deixa eu cumprimentar o pessoal primeiro...
- Você está apertado, Romualdo! Vai lá depois você cumprimenta - ordenou a mulher com olhar de poucos amigos e ajeitando o cabelo com as mãos.
- Está bem querida...

Do banheiro, Romualdo escutou a sogra lá de fora:
- Meu sapato... Ué, sumiu meu sapato!
- Como assim, mãe? Como você perdeu seu sapato dentro de um Fusca? Ainda se fosse uma Belina, mas num fusca não tem espaço para perder nada!
- Não estou encontrado! Tirei durante a viagem porque estava machucando. É novo, sabe? Não está aqui!

Romualdo ficou pálido. Tinha jogado fora o sapato da sogra e não da Marisa. Hesitou um minuto. Decidiu então sair e encontrou a sogra sem entender nada, só com um pé descalço e outro com um sapato vermelho. Triunfante, ironizou:
- Dá pra saber muito sobre uma pessoa só olhando para seus pés! - e imaginou novamente Marisa em seu ouvido dizendo "que homem!"


* A história do sapato vermelho surgindo por debaixo do banco do carro é bem comum e varia de acordo com a região e com a criatividade de quem conta. Essa é a minha versão.