domingo, 10 de dezembro de 2006

Pessoinhas

- Foi no século XVIII. As criança pequenas eram chamadas de pessoinhas, e não de bebês.
- Sei...
- Estou falando! Tanto no Brasil quanto em Portugal. Eram pessoinhas. Passaram a ser chamadas de bebês por engano. Tudo culpa do meu tataravô, o tio Orlando. Pode acreditar!
- Seu tataravô já era nascido no século XVIII?
- Ah, é jeito de falar. Não sei que nome se dá.
- Tudo bem. E você chama seu tataravô de tio?
- É que quem contava a história era seu sobrinho. Por isso, a família o chama de tio Orlando.
- Tá, mas e o engano?
- É verdade! Naquela época as mães alimentavam as pessoinhas com sopa que, na época, era chamada de comida de beber, entendeu?
- Hum...
- Me tataravô foi à Lisboa visitar uma prima dele. Matilde era o nome dela. Ela tinha uma pessoinha recém nascida, o Jean Paul, e...
- Jean Paul em Lisboa?
- É, essa prima era descendente de espanhóis e...
- Mas Jean Paul não é francês?
- Os franceses também usam esse nome.
- Como é que... Tudo bem. Continue.
- Então - não sei porque você está tão irritado - aqui no Brasil, sopa era sopa mesmo. E quando ele ouviu a prima Matilde dizer que ia preparar a "comida de beber", ele entendeu "comida de bebê", porque ela tinha um sotaque baiano.
- Sotaque baiano em Lisboa? Você não acha que está exagerando nessa história?
- Como exagerando? A prima Matilde passou três meses na Bahia, entendeu? Três meses! Ficou encantada com o sotaque e passou a usá-lo. Algum problema?
- Desisto...
- Quando o tio Orlando voltou para o Brasil, ele disse que em Portugal as pessoinhas eram chamadas de bebês, entendeu? "Comida de bebê", "comida para o bebê"? Aí a coisa foi se alastrando, alastrando, até que virou bebê de vez e... Eí, volte aqui! Aonde você vai?

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Vô Barbosa*

Assim que meus pais se casaram meu avô foi morar com eles. Até meus dez anos convivi com meu avô. Ele era um sujeito enigmático. Pouco se sabia dele. Talvez nem houvesse muita coisa para se saber e eles fosse simplesmente muito simples. Mas sempre restava a dúvida. Por algum motivo que nunca entendi direito ele não podia fazer muito esforço e tinha algumas restrições quanto à alimentação. Fora isso, sempre me pareceu um homem bastante saudável. Não tenho nenhuma imagem dele doente ou com alguma dificuldade.

Meu avô era carpinteiro e fazia pequenos trabalhos em uma bancada no quintal de casa. Sempre que mudávamos, a primeira providência dele era montar sua bancada. Tinha um monte de ferramentas, três caixotes grandes cheios, das quais zelava muito, para usar uma expressão dele. Fazia cabos de enxadas, de martelos, amolava serrotes e facões. Também fazia banquinhos desses que armam e desarmam e consertava coisas de cozinha. Eventualmente, algumas peças de artesanato. Ele tinha uma boa freguesia o que garantia, juntamente com a aposentadoria, sua independência financeira. Meu avô era perfeccionista em sua atividade. Dos trabalhos que fazia, nunca vi ninguém fazer melhor. É verdade que há muito tempo não conheço ninguém que faça essas coisas. Mas estou falando do meu avô e prefiro manter a parcialidade.

Além de trabalhar com madeira, meu avô gostava de escrever cartas. Ele sempre matinha um bloco de papel de carta na mesinha do seu quarto. Escrevia para parentes e amigos distantes no tempo e no espaço. De vez em quanto conseguia o endereço de um de quem perdera o contato e escrevia uma carta tentando reavivar a amizade. Se obtivesse resposta, comemorava.

Mas o que mais lembro do meu avô é das nossas conversas. E como conversávamos! Passei muitas tardes ajudando-o nos seus afazeres e conversando. À noite, após o jornal, ficávamos na varanda batendo papo. Eu contava pra ele as coisas que tinha aprendido na escola e ele ficava prestando atenção em tudo. Nunca soube se ele entendia o que eu falava, mas na época eu acreditava nisso. Me lembro da vez que expliquei para ele o sistema solar. Até os movimentos de rotação e translação comentei. E ele sempre atendo a tudo. E ele me falava do seu dia, contava "causos", me dava conselhos. Da sua vida mesmo, me falava pouco. Mas meu avô fazia uma coisa que nunca vou me esquecer. Muitas vezes o flagrei na varanda à noite sozinho olhando pra o céu contando estrelas. Eu ficava então ao seu lado também olhado para o céu tentando entender o que ele estava fazendo, mas nunca ousei interrompê-lo. Nunca ousei questioná-lo. Preferia apenas contemplar o seu momento.

Quando eu tinha mais ou menos dez anos ele se desentendeu com meus pais e foi morar com minha tia, filha dele, em outra cidade. Depois disso nos vimos uma ou duas vezes apenas. As circunstâncias e as prioridades da adolescência nos afastaram. Anos depois ele morreu. Dias antes, já muito doente, teria dito à minha tia "esse neto eu não vejo mais", referindo-se a mim. E não viu mesmo. Eu, já adulto, teria novas prioridades e não o visitei. Até então, não tinha me dado conta do quanto éramos ligados. Isso já tem alguns anos mas, às vezes, tudo que eu queria era poder novamente conversar com meu avô naquela varanda. Às vezes, tudo que eu queria era poder encontrar uma alma disposta a contar as estrelas. Como sinto sua falta.

*José Barbosa Rezende: 25/08/1919 03/02/1998

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Boas Maneiras?

Acabei de voltar de um supermercado. Era um desses bem grandes, hipermercado! Havia quarenta caixas de atendimento e uma constatação: não havia nenhum empacotador! Havia uma plaquinha informando que, caso o cliente precisasse de ajuda, era só pedir que alguém o ajudaria. Como a maioria não precisa de ajuda, deve haver um único funcionário com essa atribuição. Ou seja, possíveis quarenta postos de trabalho, sem contar os turnos, que não existem. Isso não quer dizer que os clientes carreguem suas compras soltas até o carro ou pelas ruas. As compras ainda são devidamente acomodadas em pacotes. Mas o empacotador agora é o próprio cliente. E esse trabalho é feito de graça.
Cada vez mais é comum esse tipo de situação onde o cliente substitui gratuitamente a mão-de-obra. Veja as praças de alimentação dos shoppings. Quem limpa as mesas? Provavelmente você mesmo. Se não o faz, olhares acusadores o persegue. E seriam seus esses olhares se o descuidado fosse outro. É possível que você já encare isso como uma obrigação. É por isso que cada vez mais lanchonetes e restaurantes adotam esse sistema. Sabem que basta uma lixiera com um "Muito Obrigado" para que nosso senso de boas maneiras nos leve a trabalhar.
Mas, e se nos negássemos a fazer esses trabalhos? Quais as conseqüências? Provavelmente os shoppings não correriam ao risco de perder a imagem de lugar limpo e providenciaria os meios de mantê-los assim. Veríamos mais pessoas trabalhando - e não de graça - para isso. Os supermercados também não gostariam de ver filas se formando nos caixas aguardando o único rapaz que ajuda no empacotamento e providenciaria outros tantos para essa tarefa. Claro que isso implica aumento de custos que, claro, nos seriam repassados. Mas talvez seja um custo baixo para os benefícios gerados, como aumento de postos de trabalho, comodidade - vale lembrar que ainda somos os clientes -, e redução do risco de termos que lavar os pratos daqui a algum tempo.

Saudade

Saudade é uma palavra que só exite no português. Assim como potato só existe em inglês. A diferença entre saudade e potato é que batata em português se refere a mesma coisa que potato. Nós nos viramos com a batata tão bem quanto os ingleses com a potato. Mas em inglês para se expressar saudade, com toda a carga da nossa saudade, deve-se utilizar várias palavras, contextualizar a fala, identificar o brilho no olhar, enfim, dá mais tratalho. Mas, dizem que os ingleses, apesar de não terem uma palavra para expressar esse sentimento, o têm. Dos americano se tem dúvidas.

A definição de saudade no dicionário Houaiss é: "sentimento mais ou menos melancólico de incompletude, ligado pela memória a situações de privação da presença de alguém ou de algo, de afastamento de um lugar ou de uma coisa, ou à ausência de certas experiências e determinados prazeres já vividos e considerados pela pessoa em causa como um bem desejável". Uma palavra nada mais é que um apelido que se dá a alguma coisas. No caso da saudade, ao sentimento mais ou menos melancólico, etc., etc., etc... A criação de uma palavra com um significado tão extenso é, no fundo, um exercício da preguiça. Em vez de perder tempo com explicações, lança-se mão do apelido. Li numa edição antiga do Guinness Book uma palavra que não me lembro - e nem me lembro em qual idioma - que significava "olhar para uma pessoa como se quisesse dizer algo que ela também quer dizer e que ambos não têm coragem de dizer"! Posso em algum momento da vida ter passado por uma situação dessa, porém, duvido que eu tenha sentido falta de uma palavra para expressar o momento.

Mas há momentos em que eu realmente gostaria de apelidar. Por exemplo, gostaria de dizer motriossa - ou qualquer outro neologismo - para um operador de televendas e desligar o telefone. E o operador teria entendido: não vou perder meu tempo te ouvindo porque nada do que você me disser me fará assinar essa revista e também não vou tentar ser gentil contigo porque no fundo minha vontade é te dar um soco por ter me ligado num domingo pela manhã e me acordado. E, só para deixar registrado, essa revistinha é uma porcaria. Aí, eu voltaria a dormir.

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Presentes

Presente - A Difícil Arte de Dar

Sempre tive dificuldades com presentes. Dar presente a alguém que se gosta, de uma forma espontânea, quando se encontra algo interessante por acaso, é gostoso. No entanto, aqueles presentes de anivesários, natal e dia das mães em que você é obrigado a cumprir com sua parte no ritual, é uma das maiores aflições da vida humana. Eu acho.

Dia dos namorados é pior. Não tem como fugir! Você resolve não dar um presente para sua namorada porque simplesmente não tem a menor idéia do que dar. Vocês estão juntos há pouco tempo e você tem apenas uma vaga idéia de suas preferências. Aí você pensa, vou fingir que esqueci. Não funciona! Tudo no mundo o faz lembrar. E sempre quando ela está do lado.

Depois você desiste do esquecimento. Resolve dar só uma lembrancinha. Algo com mais sentimento, com um significado para os dois ou, simplesmente algo bem barato, afinal a grana está curta. Você compra um maravilhoso porta incenso na feira feito de bambu. Coisa fina! Aí chega sua "amiga" e te diz: olha, um passarinho verde me contou que você vai ganhar um presentão, heim? Pronto, já era a lembrancinha. Você não vai querer correr o risco de ver a cara dela de frustração ao abrir seu o presente. Agora só restam duas saídas: renogociar a dívida do carro ou terminar o namoro. Entende porque tantos relacionamentos terminam às vésperas do dia dos namorados? Depois voltam! Aí você dá a lembrancinha pela reconciliação.

Presente - A Difícil Arte de Receber

Receber um presente é algo que exige certa habilidade. Coisa que não tenho. Tenho uma profunda dificuldade para demonstar qualquer sinal de alegria quando ganho um gibi do Tio Patinhas no amigo oculto. Amigo oculto para mim sempre foi uma provação. E o gibi nem foi o pior presente.

Alguns presentes marcam. Outros, traumatizam. Tenho um amigo que já me contou várias vezes que ganhara uma motoquinha de brinquedo da avó. Ele tinha uns dezesseis anos e fazia um tremendo sucesso entre as meninas do colegial. Todas as vezes em que ele me contou isso, percebi uma mágoa em seu olhar. Nem tirei do plástico, dizia.

Já a minha avó, sempre deu presentes iguais para mim e para meu irmão. Sempre carrinhos. Meu irmão é oito anos mais novo. Quando ganhei o último carrinho dela, ao catorze anos, ficou evidente minha decepção. Valeu a pena não ter disfarçado. O próximo presente foi um porta-retratos. Foi minha mãe quem o tirou do plástico.

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Famas

Na turma, todos tinham uma fama. O Paulo era sortudo por uma vez ter ganhado uma leitoa numa quermesse aos quinze anos quando ainda vivia no interior. Nunca mais ganhou nada na vida. Mas ainda é o sortudo. Mesmo depois de todos os presentes que ganhara nos amigos ocultos em que participou: um gibi, um disco do Amado Batista e um prato!

O Peixoto era o inteligente. Quando estava na quarta série foi eleito o segundo melhor aluno da turma. Só perdeu para a Maria Teresa. Mas ela era japonesa, então não contava. Não se pode concorrer com uma japonesa, dizia. A família e os amigos aceitaram seu argumento. Anos mais tarde abandonou a faculdade e comprou um caminhão. Comprava alho no sul e o revendia no Piauí. Vivia uma vida apertada mas, ainda assim, mantinha a fama e os amigos ainda pediam sua opinião antes de tomar qualquer decisão importante.

O conquistador! Era assim que os amigos se referiam ao Guimarães. Fora o primeiro a se casar. Teve apenas três namoradas. Dizia quatro por ter terminado e voltado com uma delas. Mas, aos doze anos, foi beijado pela Ruth! Ah, a Ruth! Ela tinha quinze anos, era a mais bonita da escola e só namorava homens mais velhos. Um dia ela agarrou o Guimarães no corretor e lhe de um beijo. Foi só um selinho, mas ele tinha a prova! As marcas de batom eram, sem dúvida, da Ruth. O feito do Guimarães até hoje é lembrado. E, ninguém duvida, ele merece a fama que tem!

Já o Arlindo, que até então não tinha fama de nada, apareceu com essa. Se auto-definiu como o solitário e não deu explicações. Depois de muita insistência, ele contou que poucos dias antes fora a um shopping comprar uma tampa para o vaso sanitário. Desta feita, aproveitara para jantar em seu restaurante favorito. Pedira seu o prato favorito. Pedira o seu vinho favorito. Quase ao fim do jantar se deu conta que colocara a tampa da privada na cadeira a sua frente. Ela estava sentada, como que olhando para ele. Só alguém muito solitário, concluiu, pra levar a tampa da privada para jantar! Bem, ele ainda não tinha uma fama. Aceitamos a idéia e ele passou a ser o solitário da turma.

domingo, 13 de agosto de 2006

O Fim de Luiz Otávio*

Conheço Luiz Otávio desde pequeno. Solitário, some por longos períodos e depois aparece do nada contando seus problema, procurando um ombro amigo, procurando entender-se. É um sujeito confuso, estranho. Sua fobia social o torna inapto para as atividades mais simples da vida que contem com a presença de mais de uma pessoa, como bater-papo, jogar futebol, comprar pão na padaria. Luiz Otávio não consegue iniciar uma conversa. Nunca foi capaz. Não consegue sequer se manter numa.

Seu jeito de ser o deixa angustiado, deprimido. Sempre o vi desse jeito, sempre. O que varia é a intensidade. Sua vida é um grande peso. Suicídio é um pensamento seu recorrente. Mas sempre consegui dissuadí-lo. Não poucas vezes pensei, depois de um longo período sem contato, que Luiz Otávio já tivesse consumado o ato. Mas de repente ele aparece de novo. E com mais problemas. E mais angustiado. Luiz Otávio é um peso também para mim. Há sempre a possibilidade de ele aparecer num momento inconveniente e eu ter que largar tudo para ajudá-lo.

A última vez que o vi foi nesse final de semana. Ele me contou que tentara novamente se "inserir no mundo", como costuma dizer. A tarefa era simple, chamar uma amiga por quem ele tem uma certa queda para um cinema. Apesar de gostar de filmes iranianos e coisas do tipo, estava disposto a assistir qualquer coisa. Até mesmo aquelas apresentações sobre a vida de Cristo que acontecem em cidades do interior às vésperas do natal em praça pública. Bem, ele não conseguiu. Disse tudo que passou pela sua cabeça. Só que não passou pela sua cabeça as palavras filme, cinema, sair juntos e nem nada relacionado ao programa. Luiz Otávio se perdeu em seus pensamentos. Tropeçou neles. Não conseguiu juntar as palavras que saiam de sua boca. Nem ele sabia o que estava falando. Precisava de um milagre para sair daquela situação embaraçosa. E o milagre veio: levou um fora.

Depois que me contou isso, Luiz Otávio me disse com uma voz solene que estava farto de tudo isso e que estava decidido a fazer o que vinha adiando há muito tempo. Mas, desta vez, eu não lhe disse nada. Não lhe dei esperanças de que ele iria mudar. Eu não acredito que ele possa. Desisti dele. E eu também já estou farto do Luiz Otávio.


* Baseado em depoimentos apócrifos

domingo, 6 de agosto de 2006

A Epopéia do Seu Geraldo

Fui conhecer Piracicaba. Passei pelo centro, pela praça da matriz e, seguindo algumas placas, cheguei ao Engenho Central que fica às margens de um rio. Do outro lado do rio. Para atravessá-lo há uma ponte pênsil que, para minha surpresa, é uma homenagem a José Dias Nunes, o Tião Carreiro, de quem sou fã. Daí a deduzir que se tratava do Rio de Piracicaba que dá nome a uma famosa música do Tião Carreiro, foi fácil. Mas, até então, não sabia ainda o que era aquele conjundo de ruinas. Até que encontrei o seu Geraldo.

O matuto se aproximou de mim já lamentando só pra puxar assunto: "como isso aqui tá abandonado". Que tipo! Septuagenário, faltando os dentes da frente, chinelo de dedo mas com um toque de vaidade que revelaria depois: "homem de cabelo grande e barba grande é falta de higiene, não é?" E o seu Geraldo estava com o cabelo cortado, penteado e a barba feita.

Peguntei pra ele o que havia sido aquilo ali e ele me explicou que se tratava do primeiro engenho de açúcar da região onde trabalhara seu finado pai. Seu pai era caminhoneiro, tinha um chevrolet e trazia cana-de-açúcar para o engenho. Me contou que quando tinha uns sete anos, de tanto insistir, seu pai o deixara acompanhá-lo num dia de trabalho. Eram viagens curtas, se faziam várias por dia. Na última, como havia de ser, o freio do caminhão falhou numa ladeira de pedras lisas e o caminhão bateu na trazeira de outro no final da ladeira, jogando ele e seu pai para fora da cabine. Seu pai teria lhe dito "se você não tivesse insistido, não teria acontecido isso", no que ele retrucou "se eu tivesse vindo ou não teria acontecido do mesmo jeito". Seu pai morrera algum tempo depois, tomando o café da manhã com a mulher e onze filhos. Seu Geraldo então me mostrou a tal ladeira, me explicou como era o fluxo de atividades no local, me mostrou os trilhos do trem e me contou porque o engenho fechou.

Seu Geraldo então me contou que, após sofre uma cirurgia na cabeça para tratar de um derrame, passara a contar coisas: móveis, coisas de cozinha, roupas, até a quantidade de paralelepípedos de uma rua pequena. Num dia de carnaval, contara a quantidade de pessoas que passavam em fente a sua casa em direção ao baile. Só contara as pessoas fantasiadas, as outras não dava pra saber aonde iam. "Separei por gente branca e gente preta. Deu oito páginas de gente preta e seis de gente branca. Então tinha mais gente preta do que branca na região, não é?" Me lembrei de Beremiz Samir, o Homem que Calculava. Fiquei empolgado! Seu Geraldo, assim como o personagem de Malba Tahan, poderia ir longe com isso. Perguntei se ainda contava coisas e ele me disse que não. Disse que Jesus o havia libertado disso. Pensei, ainda bem que Beremiz Samir não era cristão!

Não sei se as histórias do seu Geraldo são verdadeira. Não sei nem o seu nome. O "Geraldo" inventei. O Engenho Central hoje é uma área de atividades culturais. Entre outras coisas, fica lá o Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Sobre o Engenho, é fácil encontrar informações na internet. Sobre seu Geraldo, só aqui.