domingo, 6 de agosto de 2006

A Epopéia do Seu Geraldo

Fui conhecer Piracicaba. Passei pelo centro, pela praça da matriz e, seguindo algumas placas, cheguei ao Engenho Central que fica às margens de um rio. Do outro lado do rio. Para atravessá-lo há uma ponte pênsil que, para minha surpresa, é uma homenagem a José Dias Nunes, o Tião Carreiro, de quem sou fã. Daí a deduzir que se tratava do Rio de Piracicaba que dá nome a uma famosa música do Tião Carreiro, foi fácil. Mas, até então, não sabia ainda o que era aquele conjundo de ruinas. Até que encontrei o seu Geraldo.

O matuto se aproximou de mim já lamentando só pra puxar assunto: "como isso aqui tá abandonado". Que tipo! Septuagenário, faltando os dentes da frente, chinelo de dedo mas com um toque de vaidade que revelaria depois: "homem de cabelo grande e barba grande é falta de higiene, não é?" E o seu Geraldo estava com o cabelo cortado, penteado e a barba feita.

Peguntei pra ele o que havia sido aquilo ali e ele me explicou que se tratava do primeiro engenho de açúcar da região onde trabalhara seu finado pai. Seu pai era caminhoneiro, tinha um chevrolet e trazia cana-de-açúcar para o engenho. Me contou que quando tinha uns sete anos, de tanto insistir, seu pai o deixara acompanhá-lo num dia de trabalho. Eram viagens curtas, se faziam várias por dia. Na última, como havia de ser, o freio do caminhão falhou numa ladeira de pedras lisas e o caminhão bateu na trazeira de outro no final da ladeira, jogando ele e seu pai para fora da cabine. Seu pai teria lhe dito "se você não tivesse insistido, não teria acontecido isso", no que ele retrucou "se eu tivesse vindo ou não teria acontecido do mesmo jeito". Seu pai morrera algum tempo depois, tomando o café da manhã com a mulher e onze filhos. Seu Geraldo então me mostrou a tal ladeira, me explicou como era o fluxo de atividades no local, me mostrou os trilhos do trem e me contou porque o engenho fechou.

Seu Geraldo então me contou que, após sofre uma cirurgia na cabeça para tratar de um derrame, passara a contar coisas: móveis, coisas de cozinha, roupas, até a quantidade de paralelepípedos de uma rua pequena. Num dia de carnaval, contara a quantidade de pessoas que passavam em fente a sua casa em direção ao baile. Só contara as pessoas fantasiadas, as outras não dava pra saber aonde iam. "Separei por gente branca e gente preta. Deu oito páginas de gente preta e seis de gente branca. Então tinha mais gente preta do que branca na região, não é?" Me lembrei de Beremiz Samir, o Homem que Calculava. Fiquei empolgado! Seu Geraldo, assim como o personagem de Malba Tahan, poderia ir longe com isso. Perguntei se ainda contava coisas e ele me disse que não. Disse que Jesus o havia libertado disso. Pensei, ainda bem que Beremiz Samir não era cristão!

Não sei se as histórias do seu Geraldo são verdadeira. Não sei nem o seu nome. O "Geraldo" inventei. O Engenho Central hoje é uma área de atividades culturais. Entre outras coisas, fica lá o Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Sobre o Engenho, é fácil encontrar informações na internet. Sobre seu Geraldo, só aqui.

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