quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Ciúmes

Seu Toninho era um homem apaixonado. Mais de cinqüenta anos de casado e ainda olhada para dona Dinha com o mesmo brilho no olhar de quando a viu pela primeira vez. Mas, mesmo com toda a paixão, ou, talvez por causa dela, o ciúme ainda não estava domado. Até para os genros que vinham abraçá-la no natal ou no ano novo ele deixava claro com um olhar sua inquietação. Já dona Dinha, por ele, era mais contida. Mas tinha nele seu grande amor. Seriam um casal perfeito se não fosse o jeito rude de seu Toninho. De família italiana, crescido e vivido na roça. Não economizava nos gestos, nos palavrões e nem no volume da voz. Mesmo à mesa, com boca cheia. E dona Dinha não ficava muito atrás. Nem nos palavrões.

Já o encontro do casal, na cama propriamente dito, com o tempo, com a idade, se tornara menos freqüente. Mas, eventualmente, um procurava o outro que raramente declinava o convite. Mas, naquele dia, dona Dinha não estava afim.

- E, porque não? - Quis saber seu Toninho já levantando a voz.
- Estou cansada, com dor de cabeça. Hoje não, vamos dormir. Se aquiete! - ordenou dona Dinha.
- Sei bem o que é isso! Cansada? Sei muito bem!
- Sabe o quê, Toninho? Heim, sabe o quê? Só estou cansada.
- Cansada, cansada... Você tá é guardando! Guardando pro Bino! - acusou seu Toninho num desabafo.

Bino era um rapaz que paquerava dona Dinha quando ela ainda tinha quinze anos, pouco antes de conhecer seu Toninho. Nunca tiveram nada, e o rapaz nunca mais foi visto. Mas dona Dinha sempre deixou a suspeita pra provocar ciúmes no marido. E seu Toninho nunca disse um piu sobre o assunto até aquela noite. Só pra não dar o braço a torcer.

Com a acusação do marido, dona Dinha começou a passar mal, baixou pressão, ficou pálida! Nisso, o filho mais velho que estava de férias com a esposa invadiu o quarto para acudir a mãe depois de ouvir a discussão dos dois. Outras duas filhas, uma solteirona e outra nem tanto, vieram em seguida. O filho mais velho, o Chico, deu de dedo com o pai:

- O senhor nem está mais dando no couro e vem encher o saco da mãe! Se acontecer alguma coisa com ela, eu mato o senhor!

Sob a ameaça, seu Toninho saiu assustado porta a fora. As duas filhas troxeram água com açúcar, abanaram e falaram todas ao mesmo tempo e cada uma mais alto que a outra. Até que dona Dinha melhorou e todos se acalmaram e sentiram falta de seu Toninho.

- E o pai? - questionou a mais nova.
- Ele foi embora. - retrucou Chico com ar de quem tinha feito a coisa certa.
- Mas você tinha que ter falado daquele jeito com o pai? Precisava? E agora? Nessa hora da noite o pai por aí na rua, sozinho. - acusava a outra filha, já reestabelecendo o volume de voz padrão da família.
- É que, é que... - tentava se justificar Chico, com um princípio de choro - Olha as coisas que ele falou pra mãe...
- Você vai é atrás dele! - disse sua mulher - Não quero ninguém dizendo que meu marido é o culpado pelo sumiço do próprio pai. Ô família, viu?
- Está bem, vou pegar o carro e vou atrás do pai. Não deve ter ido muito longe.
- Mas, vê se bota uma calça, né? Não vai sair só de cuecas por aí. O que os outros vão pensar?
- Vão pensar que é um mendigo com esses furos na cueca. - Alfinetou a irmã solteirona.

Chico vestiu uma calça e foi até a garagem pegar o carro para tentar encontrar seu pai. Pensou em ligar para os parentes para pedir ajuda. Quem sabe seria melhor já ligar pra polícia, pensou já cheio de remorsos. Então, ao abrir a porta do carro, lá estava seu Toninho, de pijamas, deitado no banco de trás e dormindo como um anjo. Como se nada tivesse acontecido.

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